A intenção abaixo é a de registrar as primeiras impressões sobre o disco, já considerando que as opiniões dos autores do texto são após o primeiro contato com o disco e sabendo que este não é um material de rock (Lou Reed) / heavy metal (MetallicA), mas sim voltado para algo que já existia em forma de letras e agora com o acompanhamento da banda de São Francisco em formato “ópera”.
Sem mais delongas, lá vamos nós… e avisamos: o conteúdo é impróprio para menores de 18 anos (de verdade). Vamos falar um pouco da nossa interpretação das letras / história e depois do som da banda.
Violões abrem o Lulu, com Lou Reed iniciando a cantoria, nesta lenta introdução, até James Hetfield aparecer. A obra começa com uma visão inicial da garota Lulu e alguns de seus dilemas. Lulu cruza a Brandenburg Gate, construída em 1688 e um dos pontos de referência de Berlim e da própria Alemanha. Ela parece estar procurando uma forma de explorar o turbilhão de emoções que sente, e conta com a ajuda da bebida e de drogas em uma tentativa de facilitar tal processo. Diz que é apenas uma pequena garota do interior, com um turbilhão de coisas para fazer e mostrar. Mas está claro que ela está totalmente perdida na vida.
Lulu menciona alguns atores no início da obra, apontando o caminho operístico do álbum. O som é iniciado com Lou Reed criando o clima com Hetfield sendo a segundo voz, sempre cantando “small town girl”, nesta que é a faixa mais curta do álbum. O som da “banda de apoio de luxo” é repetitivo, porém bem executado, com características que se encontram na discografia do MetallicA (época do Load). Já Lou Reed se apresenta nesta (e praticamente por todo o álbum) de uma maneira que chega a ser inclusive intrigante, pois ele não canta, ele “fala” as coisas, desafinando em muitos momentos (não dá para entender se isso é ou não proposital, em uma tentativa de se acrescentar drama) e sempre parecendo que vai perder o tempo. Entretanto, nos pareceu boa a interpretação dele nesta faixa de abertura.
A sequência com The View continua sendo uma espécie de narração da vida de Lulu, agora mostrando o lado duro da vida que tem, como uma prostituta. Ela comenta a base da vida dela e como a dor e o mal estão presentes no seu dia-a-dia, como se ela fosse uma serva para estas coisas. Lulu quer mostrar quem realmente é, ou seja, apesar de ser uma pessoa bonita, desperta coisas ruins nas pessoas com quem interage.
Em termos musicais, Lou Reed continua narrando a história, enquanto o MetallicA encaixa um riff que permeia praticamente toda a música, com algumas viradas de bateria do Lars. A música ganha um andamento mais rápido com doses claras de MetallicA com a chegada do Hetfield nos refrões, principalmente mais ao final. Esta era a primeira música que estava disponível para audição por completo e estávamos aguardando para ouvi-la dentro do contexto do álbum, visto que a recepção inicial não havia sido boa. Bom, a verdade é que este quadro não evoluiu muito, apesar de ser possível entender que há sim uma sequência com relação a faixa de abertura.
Em seguida, Pumping Blood mostra o lado sadomasoquista de Lulu e a apresentação do seu amante Jack (The Ripper), com ela suplicando para ser violentada. Ela pede para ele fazer coisas como cortá-la e usar de violência suprema. A música é aberta com violinos e o bumbo de Lars “bombeando” o sangue. Há que se mencionar que é sofrível ouvir o início desta música com Lou Reed desafinando e um som de “abelha” no fundo. De qualquer forma, a coisa começa a melhorar um pouco a partir do segundo minuto, porém oscila demais, com viradas de bateria e mais um riff que, apesar de ser legal, acaba saturando após tantas repetições. Há uma melhora do som, o que nos faz pensar que, sem Lou Reed, até poderia ser uma boa música do MetallicA, mas sabemos que não é a hora de analisarmos isso. O final apresenta outro riff interessante da banda, enquanto ela ganha bastante velocidade. Mas é impossível ficar alheio à performance de Lou Reed, que chega a incomodar e dar aquela sensação de que ele está falando fora do tempo. A música tem uma “volta”, inclusive, em sua parte final.
A próxima faixa, Mistress Dread, deixa bem claro o perfil de Lulu: uma mulher que precisa ser violentada. Ela não só relata o que quer, mas como quer, implorando para que seu amante a violente, que faça coisas como cuspir na sua boca, que “abra” bem ela, e por aí vai. Ela diz que ele (o amante) não tem coração e que ama esse fato (talvez o fato de não ter um envolvimento emocional). Enfim, é uma música que complementa esse lado violento, mostrando que está disposta tudo pelo prazer.
Já em termos musicais, a porradaria do MetallicA corre solta. A música lembra bastante Disposable Heroes, apesar de ser repetitiva – o que agrada bastante. Mas novamente a entrada de Lou Reed incomoda. O riff é realmente excelente e a performance de Lars é muito boa. Lou Reed continua dando sua interpretação, mas não há como negar que seu vocal não incomoda em diversos momentos. Depois da parte do “you are my goliath, you are my goliath, and I am mistress dread”, a música ganha um quê de Death Magnetic, com guitarras gêmeas inclusive, até vários pequenos “milagres do retorno” para o riff que lembra a música do Master Of Puppets. É muito bom ouvir o MetallicA tocando assim. A música não se desenvolve, mas não é para chegar a lugar algum mesmo, seguindo a proposta do álbum. James Hetfield continua apenas na parte instrumental, desde The View.
A sequência com Iced Honey mostra o desejo de Lulu em isolar os seus sentimentos e emoções para que eles não se misturem com a sua vida real – se deixar envolver por alguém – mas, com o passar do tempo, parece que ela falha neste seu objetivo.
A música tem uma sonoridade muito parecida com a época do Load, e faz a gente bater o pé. Lou Reed, desta vez, canta a música, ao invés de “falar” a letra – mas sua voz se mostra “cansada”, bem desgastada. Já a voz de Hetfield volta a aparecer, com o backing vocal do nome da música. Mas com o (bom) andamento, Lou Reed volta a dar aquelas desafinadas e aquela sensação que canta fora do tempo – parece que tem dificuldade em acompanhar o que está rolando. No dueto Lou Reed + Hetfield em “see if the ice will melt for you”, dá para perceber claramente a diferença entre os dois vocais.
Na última faixa do disco 1, Cheat On Me, Lulu continua com suas desesperadas tentativas de se convencer de que não está envolvida e não se entregará aos sentimentos – afinal, seu estilo de vida não permite isso – “muitos homens a amam, mas ela não ama ninguém”. Porém, ela percebe que isso não é mais possível, fazendo com que fique se questionando – “why do I cheat on me?”. Ela não gostaria de estar sentindo isso, mas já é algo fora de controle.
Musicalmente, esta faixa é uma amostra já do disco 2, mais cheios de elementos experimentais, barulhos, grunhidos, etc e a mais longa deste primeiro disco – já no formato que o próximo álbum se apresenta. Rob Trujillo finalmente se mostra mais presente no início da música, que vai criando um clima regado a estes elementos malucos, com guitarras aparecendo e sumindo. Hetfield volta a sua posição de backing vocals com o nome da música, acompanhado de um riff mais hard rock e de um som de batera bem legal de Lars. Mas é mais uma vez difícil tolerar certas passagens de Lou Reed, que faz parecer que aquilo não vai acabar nunca mais. Hetfield justifica ser um gigante por trás de Lou Reed! Se quiséssemos isolar o MetallicA, poderíamos comentar que a música seria bem mais interessante se fosse menor, mas não podemos nos deixar levar por essa “tentação” (talvez seja isso que torne ouvir este disco tão difícil, principalmente para os fãs do MetallicA) – os 4 cavaleiros do thrash metal são apenas a banda de apoio à proposta “operística” do álbum. O final da música, já depois do décimo minuto, é bem legal, com um som poderoso e um revezamento vocal bacana entre Lou Reed e James.
E assim chegamos ao fim do primeiro ato…
SEGUNDO ATO (disco 2)
O disco é aberto com a faixa Frustration e agora temos o outro lado da moeda sendo apresentado – questionamentos sendo feitos de volta para a Lulu, sendo que alguns momentos parecem ser feitos pela sua própria consciência (pura interpretação) e, em outros, pelo seu amante. Parece que seu amante se sente perdido também, incapaz, impotente, até mesmo “menos homem do que ela”, no sentido de inferioridade, de atitude em comparação com Lulu. Mas ele também mostra-se envolvido por Lulu, querendo que ela seja sua mulher, que case com ele.
Após a introdução de cerca de um minuto, a banda aparece com uma sonoridade semelhante ao que se ouve no Death Magnetic, mas sem aquela mixagem alta e “estourada” do último disco de estúdio do MetallicA. As atenções voltam a Lou Reed que volta a falar a música, acompanhado por Lars espancando a bateria (bom ver o Lars tocando assim, pelo menos). Aliás, quando Lou Reed canta sozinho, como por exemplo perto do 5º minuto, talvez sejam os piores momentos em termos de música do álbum. De qualquer forma, há de se considerar a proposta, a tentativa de criar o clima para o momento e para a apresentação das aflições do amante de Lulu (mas é impossível ignorar o quanto ficamos incomodados com Lou Reed). Sempre que o MetallicA volta a aparecer, a música volta a ganhar muito.
A próxima faixa, Little Dog, mostra como o amante de Lulu se sente inferiorizado. O Little Dog é ele. Ele sofre por entender que não tem a experiência que ela tem, mais “rodada”, vamos dizer assim – ela esteve já com muitos homens e ele sabe que como o dinheiro pode fazer qualquer coisa, bastando ele ter, ele pode ficar com a Lulu, mesmo sabendo o quão patético ele é. A faixa traz descrições íntimas bastante “acentuadas”, um verdadeiro prato cheio para quem quiser ler “coisas picantes”…
Esta é outra música iniciada por violões, provavelmente de Hetfield, se seguirmos a lógica de estúdio do MetallicA (lado esquerdo). Rob também volta a aparecer no início da faixa, seguido de novos sons experimentais. Parece uma música com clima de faroeste (ambos tivemos tal percepção). Lou Reed vai, novamente, falando e dando sua interpretação para a música, que parece que não vai progredir nunca – e acaba não progredindo mesmo – dando nestes 8 minutos o total clima de lamentação (objetivo atingido, sem dúvidas). E haja sons experimentais, chiados, etc.
A penúltima faixa do disco, Dragon, descreve o sentimento do amante com relação a Lulu – ele já está bastante irritado e cansado da forma como ela é, sempre superior, e começa a descrevê-la como um objeto sexual, com mais detalhes “picantes” aos que forem explorar a letra da música. Ele começa a questionar este comportamento da Lulu em se achar muito “especial”, essa busca pelo prazer sem envolvimento emocional, usando as pessoas como objetos descartáveis, como peões, desde que ela se sinta realizada sexualmente. Ele fica bastante incomodado nesta música, sentindo-se um idiota por se preocupar com ela.
Mais uma música com uma introdução cheia de distorções, barulhos e ruídos, com Lou Reed começando a “falar” logo no início. Uma guitarra, provavelmente do Hetfield, aparece em alguns momentos depois do primeiro minuto, mas o que se ouve bastante são mesmo um monte de experimentações e Lou Reed. Porém, o andamento da música melhora bastante no final do segundo minuto, quando o MetallicA aparece muito bem, com um belo riff metálico, bem estilo thrash metal, que se repete muitas vezes, acompanhado por uma orquestra permeando a música até quase seu final. Uma provável guitarra distorcida de Kirk aparece enquanto a base é mantida, em um dos momentos mais pesados do álbum. Aliás, se o MetallicA levar este espírito para o sucessor do Death Magnetic, será muito bom! O final da música é uma preparação para a última e mais longa faixa do Lulu.
Junior Dad, a faixa que fecha a obra, volta a ser sob a ótica do personagem feminino e é talvez a que tem um apelo emocional mais forte, visto que a Lulu conclui que não tem um alicerce na vida – ninguém com quem ela possa contar para tirá-la da situação em que se encontra. É a faixa que fez James e Kirk saírem da sala de gravação, emocionados por terem essa mesma referência negativa com relação às suas vidas particulares, especialmente Hetfield, ao lembrar do relacionamento com seu pai. Lulu busca em seu amante essa figura de salvação, o que no fim acaba alcançando, porém não da forma como esperava, deixando-a bastante desapontada. Ela conclui que o fator tempo modificou de maneira permanente seu amante, que acabou se tornando uma figura como a do pai de Lulu.
A última introdução do disco é bonita e cria um clima de fechamento. Quando a banda entra, é impossível não lembrar da música The Unforgiven III, do Death Magnetic. Ouçam e comparem! O andamento mais lento da música é o ideal para que a interpretação de Lou Reed se destaque. Um novo riff ao final do segundo minuto lembra um pouco a fase Load / Reload novamente. Realmente é uma faixa bem emocionante para o fechamento do disco, talvez a melhor neste casamento Lou Reed + MetallicA. A partir do sexto minuto, tem-se a clara sensação de que Lulu foi salva pelo clima que a música ganha, em um bom trabalho de Lou Reed nesta parte. Os primeiros 11 minutos, apesar de terem elementos de repetição, não chegam a ser chatos em nenhum momento, pois o clima criado aliado ao lindo trabalho do MetallicA faz a coisa fluir muito bem. Os últimos 8 minutos de Junior Dad são o fechamento da obra, e não variam. Nosso entendimento é que estes minutos finais estão lá para que o ouvinte possa refletir sobre tudo e concluir alguma coisa. O clima final é bem triste, melancólico, fechando muito bem a proposta da obra.
Conclusão:
Já sabíamos, desde o princípio, que não seria um disco elementar, “direto”. Também é necessário ter em mente que este não é um disco do MetallicA e que isso é talvez o que torna mais difícil a audição do álbum, pois estamos muito “treinados” a ouvir rock e heavy metal. O MetallicA, neste disco, é uma super mega ultra banda de apoio e, sinceramente, nós só estamos dando toda esta atenção justamente por este fato. Se fosse um trabalho Lou Reed + banda X, até poderíamos ouvir, mas não nos dedicaríamos tanto como estamos fazendo agora.
Outro ponto fundamental é a forma como se escuta este disco e a expectativa que se tem/cria. Em primeiro lugar, é um disco cheio de elementos não calcados no rock e heavy metal de Lou Reed e MetallicA, respectivamente, sendo que estes elementos são apenas parcialmente identificados durante a obra. O foco é ter um acompanhamento sonoro para a peça teatral, para a ópera, até porque a trama já é centenária.
Não é um disco para se ouvir como música de background, como normalmente estamos acostumados a fazer. Ele requer dedicação total mesmo: o ouvinte deve estar concentrado do começo ao fim, manter o foco e entender a sequência da obra para ser envolvido pelo clima e ambiente. Também não é um disco para se “pinçar” músicas (“ah, agora vou ouvir Pumping Blood”). Realmente não se deve fazer isso.
Agora, falando especificamente do MetallicA, o que se ouve são fortíssimos indícios de que a banda está mesmo em um grande momento. Há muita coisa ali que, se fosse trabalhada exclusivamente pela banda para ser um disco deles, seria sensacional!
E quando se fala de MetallicA, não há como não ter a sensação de que há certos “desperdícios” quando se pensa que tais riffs e outros elementos poderiam ser aproveitados em material próprio (há momentos em Mistress Dread e em Frustration, por exemplo, que se trabalhados da maneira apropriada, poderiam vir a se tornaram clássicos do MetallicA).
De qualquer forma, o saldo é bastante positivo e nos deixa essa sensação que o MetallicA poderá nos brindar com um grande disco quando for criar o sucessor do Death Magnetic. A própria banda comentou em diversas oportunidades como gravar o Lulu serviu para revigorar os espíritos e os encher de energia e inspiração para o futuro. Ou seja, só por isso já é legal.
Já sobre o Lulu, o disco é especialmente cansativo para nós, que estamos acostumados com outro tipo de trabalho. O MetallicA “comprou” a proposta do Lou Reed e fez um ótimo trabalho em encaixar sua sonoridade com as letras e a objetivo do disco. Entretanto, sobre o Lou Reed, ele consegue sim passar uma emoção em sua narrativa, ser dramático quando precisa (ou seja, quase sempre), mas acaba desafinando de uma forma que fica impossível, em alguns momentos, não pensar que se Hetfield virasse o narrador da trama, tudo soaria melhor (mas aí seria MetallicA + Lou Reed, né?) – ou então ter um Hetfield mais participativo em termos vocais durante o álbum.
É duro neste momento dar uma nota para o álbum mas, após algumas discussões, fechamos com um 7,0, com o Eduardo tendendo para uma nota maior e a Suellen, para uma nota menor.
Finalizando, esta é a tônica do disco: vai ser praticamente impossível haver um consenso entre tudo e todos – mas afinal, este é outro objetivo atingido principalmente pelo MetallicA: a badalação, o “burburinho” e as polêmicas…
Por Eduardo Bianchi Rolim e Suellen Carvalho (09/11/11) via Whiplash.
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