Entrevista: Tony Babalu - Um disco nostálgico e uma floresta aberta a canivete

Entrevista: Tony Babalu - Um disco nostálgico e uma floresta aberta a canivete







Encarnando em parte o artista solitário, não por ser sozinho, mas por preferir compor no silêncio da madrugada, como nos contou, Tony Babalu é um idealista: defende a música como arte, mesmo que ela não renda, necessariamente, frutos em forma de dinheiro. 

É que o guitarrista faz música instrumental, o que compara a “abrir uma floresta com canivete”. Não há exatamente um mercado consolidado no País para esse tipo de música. Mas quem gosta e faz, insiste. É assim com Tony Babalu.

O músico havia acabado de passar o som quando recebeu o Território da Música para uma entrevista, pouco antes do show de lançamento do disco "Live Sessions at Mosh", no Centro Cultural São Paulo.

Tony Babalu parecia bastante ansioso pela apresentação, que nós conferimos e sobre a qual falamos aqui. O guitarrista falou da apreensão antes de um show, contou como foi gravado o disco e falou sobre a música como arte e como produto. Veja o resultado do bate-papo abaixo.


Você parece ansioso. Depois de mais de 40 anos de carreira ainda dá um friozinho na barriga antes de um show?

Tony Babalu: Ah, sempre. Por que o artista é uma vidraça. Ele não é o estilingue. Ele está sempre exposto. E você nunca sabe como está o público, como será a aquela noite. Essas coisas nunca se repetem, por mais que você esteja preparado, o público é diferente. A noite é diferente cada vez que você toca. Eu acho que esse suspense de palco, o artista leva até o fim da vida.

Eu estava vendo a passagem de som e você parece tão envolvido que dá a impressão que você mal percebe as coisas ao seu redor enquanto toca...

TB: Isso, na verdade, é uma proteção. Acontece e é bom que aconteça. Quanto mais na música você estiver, menos você se distrai e perde o foco. E é fácil distrair. Então eu mergulho na música. E para mim sempre foi assim. É como andar de avião. (risos). Mas é muito bom.

A indústria musical mudou muito nesse tempo. O que você acha que mudou para melhor?

TB: O que melhorou foi o barateamento dos custos de produção. Quando isso era muito caro, os músicos ficavam à mercê da indústria fonográfica, de quem podia financiar. Para fazer um disco você vendia um apartamento nas décadas de 80 e, principalmente, 70. E a indústria fonográfica vivia só de venda de disco. As gravadoras nem se envolviam com os shows dos artistas, isso era coisa do empresário. Então por um lado foi bom, pois teve uma democratização. A partir do momento que você pode gravar um disco na sua casa, qualquer músico pode mostrar o seu trabalho. Eu acredito que também tenha sido assim com a fotografia, com o cinema. A digitalização, o computador... Isso barateou o custo. E eu vejo como algo positivo. A pessoa independe de alguém financiar, ela pode fazer.

E o que mudou para pior?

TB: O que piorou é que a informação ficou tão acessível que a coisa dispersou, diluiu. Quando você tem muita informação, o problema imediato é o quê fazer com ela. Você tem acesso à informação que é correta e à que não é correta. De certa maneira, é mais fácil mostrar seu trabalho, mas você tem menor amplitude. Você precisa fazer algo fora do normal para ter os milhões de acesso. E antes não tinha ‘celebridade’. Hoje tem. E celebridade é uma pessoa que não faz nada. Ela ficou famosa por causa de um vídeo. E isso ajuda a diluir a informação.

Ao longo dos anos você participou de uma série de bandas/projetos. (Bem Nascidos e Mal Criados, Artigo de Luxo, Quarto Crescente). Os vários projetos ajudam a reciclar ideias, adquirir novas experiências, influências? É uma coisa que todo músico deveria fazer?

TB: Se os projetos foram autorais eu acho recomendável. Por que o músico experimenta públicos diferentes. Mas se você toca em inúmeros projetos, mas sempre tocando música dos outros, fazendo alguma coisa que já foi feita... Também depende muito do que cada músico quer para si. Pro músico profissional, que vive de música, quanto mais ele estiver com o instrumento na mão e quanto mais diversa for a situação que ele encontrar, mais experiência ele vai ter. Mais calibrado ele vai ser. 

Além desses que eu citei, tem a BETAGROOVEBAND - ao lado de Marina Abramowicz (bateria) e PV Ribeiro (baixo). A banda continua ativa? 

TB: Sim. É uma banda instrumental, com um som mais pesado. Mais para a garotada. Mais anos 70, mais cru. Mas o projeto ainda não tem disco. Quem sabe no ano que vem...

Você tem investido na música instrumental faz pouco mais de uma década, quando lançou "Balada na Noite" (2003) que é todo nesse formato. Como anda o mercado para a música instrumental no Brasil?

TB: Ele está como sempre esteve. É um mercado... Por exemplo: no rádio, nada. Para você ter uma ideia de como a música instrumental é uma forma de arte restrita, pouco divulgada, o disco instrumental que mais vendeu no mundo, em todos os tempos, foi o "Heavy Weather" do Weather Report [lançado em 1977] que vendeu 1,5 milhão de cópias. Não é tanto.

A música instrumental sobrevive de apresentações ao vivo. Como um disco vai vender se a rádio não toca? Se os programas de televisão não tem interesse? Os meios todos? Talvez por acharem que falta a mensagem da voz, o complemento da letra... É uma maneira de ver a música e é claro que eu não concordo. Eu acho que a música instrumental é uma forma de expressão completa. Então o mercado só é aberto para apresentações ao vivo. E para virtuoses. O Brasil tem grandes virtuoses de música instrumental. A pessoa precisa tocar seu instrumento de uma maneira muito extraordinária para ter alguma atenção.

Precisa chamar a atenção pela performance?

TB: Sim, pela performance. Dificilmente você chama a atenção com um álbum instrumental, musicalmente falando. Pela melodia, pela música. É raro. Você chama a atenção pela performance. 

Mas você acha que isso se deve somente ao fato de ter pouca divulgação ou a música instrumental, de maneira geral, é mais difícil de digerir, de assimilar?

TB: Eu não acho que ela é mais difícil. Acho que é a divulgação mesmo. A música é encarada como um produto. Esse produto envolve um cantor, uma mensagem. A música pura, pra indústria, pra quem investe, não tem gancho. A música instrumental tem esse problema, ela é de difícil venda. O público acaba ficando muito restrito.

A música instrumental não tem a atitude do intérprete com suas roupas e mensagens que é o que chama a atenção. O visual, os bailarinos, o cenário, o produtor, a embalagem, a perfumaria. Às vezes a música em si é o que menos interessa.

Já a música instrumental ela mexe com a pessoa pela música mesmo. Como a trilha sonora de um filme. Ela te surpreende. A música instrumental tem que ser percebida como arte e não como um produto, como é o caso da música pop. E eu não tenho nada contra. Existem produtos excelentes e outros nem tanto. Acho que a música instrumental é de difícil venda. Você tem que trabalhar pela arte. É difícil conseguir patrocinador. É abrir floresta com canivete. Tirando os virtuoses. Esses chamam a atenção, e aí as pessoas vão para ver sua habilidade de execução e não sua música.

Queria que você falasse um pouco sobre as suas músicas. Como elas nascem? Sempre na guitarra? Nasce de uma jam com outros músicos?

TB: Geralmente eu venho com um riff pronto, a melodia pronta. Ou a grade - como ela é composta, quantas partes, os compassos. Isso eu mostro pra banda. E eles começam a colocar outras coisas. E aí eu vou compondo em cima do talento de cada um. Mas tudo com base numa melodia pré-determinada.

E como nasce essa melodia?

TB: Nasce comigo, em casa. Eu pego o instrumento bem de madrugada, quando não tem mais interferência da vida exterior. Nesse ponto eu sou bem solitário. Não sou o músico que faz música numa Jam session ou num ensaio. Eu faço sozinho. Eu pego a guitarra, eu mesmo construo uma base para mim. Vai muito do estado emotivo, também. Tem dia que você sabe que vai sair alguma coisa. Eu preparo uma base eletrônica para mim mesmo, com bateria e baixo, e fico tocando. E aí vai... No outro dia eu acordo e ouço. Tá bom isso? Às vezes não está e eu jogo tudo fora. Às vezes eu parto dali e crio uma música...

Então o início é solitário, mas depois, para finalizar a música, você conta com o restante da banda...

TB: É. Eu levo para a banda essa gravaçãozinha. E então a banda faz aquilo virar a música. É como um bolo que vai para o forno.

Você tem ouvido artistas mais novos?

TB: De novo eu tenho ouvido uma banda chamada Tedeschi Trucks Band. A banda é maravilhosa, mas o som não é novo, é antigo. E de brasileiros, eu tenho ouvido a banda Pedra, a Marise Marra, que é uma guitarrista fantástica, e uma banda chamada Radioativas...

Sobre o disco "Live Sessions at Mosh", ele parece carregado de saudosismo. "Pompeia's Groove", por exemplo, faz referência ao chamado "Rock da Pompéia", “Vecchione Brothers” também... Tem muito saudosismo neste disco?

TB: Tem muito. Principalmente “Halley 86”, "Brazilian Blues" e mesmo "Suzy" que eu fiz para ela [Suzy, a esposa do músico]. Esse repertório... Essas músicas não são novas. Nova é a primeira música, "Valsa à Paulistana". E "Pompeia's Groove" também. Elas são novas. As outras são músicas de muito tempo. Esse saudosismo está na proposta do disco de ser ‘vintage’. Mas não no sentido de carregar a bandeira do vintage, por que eu recuso o digital ou o moderno.

O disco traz um vídeo que não foi gravado em alta definição, os amplificadores são valvulados, coisa antiga, a gravação foi feita como se tivesse sido feita nos anos 70... Esse saudosismo eu traduziria como melancolia. Não triste, mas nostálgico, de um tempo que cada vez mais vai ficar para trás.

Tem aquela coisa de tocar junto e não cada músico separado ou gravar e mandar pela internet para o outro. E foi daí que veio a ideia de fazer o disco ao vivo, desse saudosismo, dessa coisa ‘vintage’. E eu não mexi em nada no disco. Ele não foi trabalhado. O que saiu, saiu. A “Valsa Paulistana”, por exemplo, foram quatro ‘takes’ e nós aproveitamos o terceiro. Os demais têm a mesma melodia, mas o improviso é totalmente diferente. É outra música.

Então o disco tem todo um conceito nostálgico: as músicas são antigas, o jeito de gravar foi antigo... De que época são essas músicas?

TB: “Vecchione Brothers” é de 2000. Já tem 14 anos. A “Halley 86” é de 1986... Eu fiz essa vendo o cometa. Passava no jornal, mas você não via nada no céu. Mesmo com binóculos. Mas só de saber que aquilo era o cometa, que tinha uma importância... Então eu peguei o violão e a música saiu.

E você guardou a música por todo esse tempo...

TB: É. Só agora, nesse clima nostálgico...

Você está num momento nostálgico da sua vida?

TB: Agora não. Eu estive até a gravação do disco. A música sempre reflete o que você sente no momento. Mas acho que agora, não. Coloquei toda a nostalgia no disco.

Quais os próximos passos?

TB: Agora é cair na estrada. A ideia é levar para todos os lugares que tenham uma receptividade boa para música instrumental. Mas não estou com muita expectativa. O que vier tá legal. O principal está aí, que é o disco.
mas andes

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